Antigamente (já pareço uma cota) as nossas brincadeiras eram muito engraçadas. Tudo o que víamos na televisão (o mesmo é dizer na RTP1), nós imitávamos. Ainda me lembro de fazer de conta que era a Maya, na serie "Espaço 1999" e de franzir as sobrancelhas para me "transformar" em alguma coisa e de colocarmos umas caixas de fósforo, com uma caneta de lado, presas nas calças, para fazer de conta que eram os telemóveis da época. Um dia hei-de escrever sobre isto....
Hoje vou falar sobre uma brincadeira que eu e os amigos do prédio costumávamos fazer. Esta era uma brincadeira que, normalmente, era realizada à noite. Muito raramente a fazíamos de dia. E porquê? Para não sermos descobertos, claro que está!
Mas, então, em que consistia era brincadeira? Havia uma serie que nós gostávamos muito de ver na tv que se chamava "Os cinco" e que contava a história de quatro amigos (adolescentes) e um cão, que desvendavam coisas. Ora, na época, aquilo era algo maravilhoso e não perdíamos nenhum episódio. Havia um mocinho loiro, que era o mais bonito (e com o qual nós as miúdas delirávamos), um outro rapaz mais nerd, uma menina de cabelo castanho (que era a mais inteligente) e a mocinha loira, que era a mais bem apessoada. Por fim, havia o quinto elemento que era o cão, o Tim. Ora, para brincar aos cinco, tínhamos no mínimo de ser cinco miúdos. Quando havia mais, os que sobravam eram os salteadores ou quem nós tínhamos de descobrir. Mas normalmente éramos só nos os cinco. Não esquecer que esta brincadeira realizava-se à noite, de preferência depois do jantar. Porquê? Para sermos menos miúdos (porque os outros ficavam a ver a novela) as mães já não "chateavam" para irmos para a mesa e, principalmente, porque a essa hora, podíamos investigar à vontade sem sermos apanhados.
E como fazíamos? Bem, como tudo na época, era decidido ao Pim, pão, pum. Era escolhida uma personagem de cada vez. Quem sobrava, fazia de Tim. Mas este não era um papel qualquer. Aliás, este era um papel muito ambicionado. Tínhamos que pôr uma corda ao pescoço e andar de quatro. E tínhamos de cheirar e, de vez em quando, alçar a perna para dar mais realismo à personagem. Quando se fazia de loira, tínhamos de ter alguns tiques de peneirenta, porque o papel assim o exigia. Quando fazíamos de moça esperta, usávamos uns óculos para parecemos inteligentes.
Mas afinal, o que é que investigávamos? Tudo. Quando eu digo "tudo" é mesmo "tudo". Normalmente, íamos espreitar os vizinhos na hora do jantar. Víamos o que tinham jantando, como se portavam à mesa, o que bebiam, como estavam vestidos, vigiávamos os vizinhos a fumar, ouvíamos as conversas, ....., mas o que gostávamos mais, era de ir assustar os vizinhos. Principalmente, a velhota que vivia e falava sozinha. Isso é que era fixe. Às vezes, ela estava zangada e falava mais alto e a gente ria-se. Ela dava conta que estávamos nas escadas do prédio, abria a porta da cozinha e mandava vir connosco. E a gente ria-se e escondíamos-nos. E voltávamos à carga. Ela ficava danada. O nosso objetivo estava cumprido! Éramos mesmo bons!!!!
No prédio, havia duas velhotas solteiras. Essa vivia sozinha. A outra vivia com o irmão e com a irmã. Todos velhotes e todos solteiros. Mas essa não a assustávamos, porque ela amiga: dava-nos rebuçados da Régua. À hora do almoço, ficávamos no portão do prédio à espera dela. Quando a víamos chegar, púnhamos um sorriso de orelha a orelha e oferecíamos a nossa ajuda. A irmã dela andava de cadeira de rodas e nos ajudávamos a leva-la para o primeiro andar. Era um trabalho pesado porque o prédio não tinha elevador. Mas, no final, ela sempre nos dava um rebuçado da Régua. Era amiga! Quando não vinha com a irmã dela e vinha sozinha, oferecíamos os nossos serviços para levar a carteira dela. O resultado era o mesmo: um rebuçadinho já cá canta! Às vezes, ela estava de mãos largas e dava-nos uma mão cheia de rebuçados; outras vezes, não tinha rebuçados para dar e dava umas moedas. Íamos comprar chiclas da Gorila. Era bom na mesma!
Bem, continuando....
Mas as rusgas não se limitavam ao prédio. Não!! Também tínhamos outros lugares para serem inspecionados. Havia um vizinho que tinha uma macaco numa jaula e, quando nos sentíamos audazes íamos lá assustar o bicho, que virava fera e fazia barulho contra as grades da jaula. Lembro-me de uma vez, estava mesmo escuro e fomos lá dizer boa noite ao animal (;P) e apanhamos o maior susto das nossas vidas. O vizinho tinha-se escondido no meio do jardim e ficou à nossa espera. Quando nos viu gritou com uma voz cavernesca: "Quem está aí?" Ai, que me ia dando uma coisa....desatamos a fugir. Nessa noite, a brincadeira acabou mais cedo. Tínhamos de ir para casa para arranjar o mais rápido possível um álibi, caso o vizinho nos acusasse.
Certa vez, a mocinha que estava a fazer de cão, teve um percalço. Nessa noite, ela foi "escolhida" porque estava vestida com um macacão de veludo azul escuro. Ela exigiu ser ela a fazer de Tim. Fiquei danada. Só porque tinha um macacão.... para a lixar, eu é que segurei a trela. Eu dizia onde é que ela tinha de cheirar, o que tinha de fazer, .... ;) Mas a fulana começou a inventar que lhe doía a barriga. Que nojo.... bem, lá a deixamos ir à casa-de-banho e ficamos à espera. Xiça, ela nunca mais aparecia. Fui ver o que se passava. Chamei, chamei por ela e nada. Raios, onde se meteu? Ganhei coragem e fui tocar a campainha. Não esquecer que era a hora da novela! Não se podia tocar à campainha a essa hora. Bem, veio a irmã dela; a mãe ficou em frente ao aparelho. "Ela agora não pode ir brincar. Está na casa-de-banho." Depois de muita insistência, lá consegui entrar e fui ter com a moça. Estava a tomar banho. O pior era o cheiro!!!! O meu cão estava com diarreia!!!! Como estava de macacão não teve tempo para o tirar e borrou-se toda...
Quando havia obras é que era bom. Estavam duas casas a ser construídas e nós íamos para lá. Ainda hoje o cheiro a cimento traz recordações desse tempo. As casas tinham andares diferentes e isso dava para sermos miúdos muito criativos. Escondíamos-nos e alguém tinha de nos encontrar. Durante algumas semanas a nossa rua parecia uma trincheira. Estavam a fazer o saneamento. Íamos para o meio do buraco, tínhamos umas lanternas, e andávamos por ali. Ficamos todos sujos!!!! Era mesmo fixe. Que brincadeiras malucas que fazíamos. Éramos tao felizes. Nunca queríamos ir para casa. Era sempre cedo!!!! Queríamos era brincar!!!!!