terça-feira, 29 de julho de 2014

A arte de comer um jesuíta


Um jesuíta.... hum... gosto muito deste bolo. Há de vários tamanhos, sendo os maiores, chamados de cardeais. O problema está em o comer em público. Isto, porque temos de estar preparados para a javardice que vai acontecer...

Para não corremos  o risco de parecemos nauseabundos à mesa, o melhor é comê-lo em casa. Aí podemos nos lambuzar à vontade, sem nos importar que a mesa, o colo, a roupa, o chão, fiquem cheios de mil e uma migalhas de açúcar. Sim, porque aquela parte de cima, maravilhosa, desfaz-se por completo. Não adianta molhar os lábios; aliás, isso é pior, porque vamos ficar com estalactites de jesuítas pelos beiços fora. Quando chegamos ao meio do jesuíta há uma explosão de sabores e de sensações. Eu, por exemplo, com bolos que levem canela, recuo no tempo, ao meu tempo de cachopinha. Gosto de começar pela parte estaladiça e depois ataco o miolo. Guardo sempre um bocadinho da crosta para o fim, para ficar a ruminar.
 
Quando não resisto e atrevo-me a comer um jesuíta na pastelaria, passo o tempo todo a limpar as migalhas da mesa, de mim. Confesso que a melhor maneira é pegar num guardanapo e ir limpando a mesa e deitar os restos mortais do pastel na prato, mas, às vezes, vai mesmo à badalhoca e deito para o chão....ups! O pior é tentar esconder o prazer que sinto em comer o dito cujo....
 
Há bolos que eu evito comer em público: os jesuítas e o mil folhas. O mil folhas não deve ser confundido com o Napoleão. Isso não se deve fazer. É errado, digam o que disserem.


Jesuíta

 
Mil folhas
 

 

 
O mil folhas também tem de ser comido em casa. Começo pela massa folhada de cima e depois belisco a parte das claras e vou tirando pequenos pedaços. Claro que fico sempre com a roupa cheia de açúcar e, por isso, quando estou em casa, vou buscar o avental. Os dedos ficam completamente peganhentos e nada de os limpar ao guardanapo: é lamber mesmo.  No final, como a camada de baixo da massa folhada. Na pastelaria, o bolo vem num prato com talheres... ui, comer este bolo de faca e garfo???? Nã.....
 
As bolas de berlim devem ser comidas em casa ou na praia. Eu, como sou obesa, não as posso comer na pastelaria: "olha para aquela zubaida a comer a bola cheia de creme!!!!". O mesmo não se passa com as magras. Quando estas comem uma bola em público, as pessoas dizem: "sortuda".
 Na praia, não me importo. Como tenho lata de fazer praia de biquíni (não me envergonho de mostrar o pedaço) também não me importo de comer uma bola. Mas atenção: eu faço algo que pode ferir algumas suscetibilidades: eu tiro parte do creme. Ah, pois é. Não consigo comer aquele creme todo. Gosto de o tirar com uma colher; na falta de uma, uso o dedo mesmo. E deito fora. Mas lambo o dedo. Mas não compro bolas sem creme. Que porcaria!!!
 
Eu também como as natas, ou pastéis de nata, de forma diferente das outras pessoas. Manias. Mas como sempre o creme com a colher de café e no fim a crosta. Esta tarefa revela alguma cautela, porque, às vezes, a massa folhada tem folhas a mais e fica cá uma sujeira!!!! E muito importante, crucial até para a continuidade da existência humana: eu abomino natas quentes.... para mim, uma nata, tem de estar fria.
 
 Para terminar, gostaria de vos informar do lugar onde se comem os melhores jesuítas do mundo, quiçá do universo: café Volga, na Rua Costa Cabral, no Porto.
 
Bem, agora o que me apetecia era comer mesmo um jesuíta. Mas com arte: em casa!!!!
 
 
Fica aqui um pouco de história, que um bocadinho de cultura não faz mal a ninguém!!!

"Apesar de afamado em todo o País, é em Santo Tirso que o Jesuíta continua a ser genuíno.
Foi neste concelho que ele primeiro se tornou conhecido, mas quase nada se sabe sobre a sua origem a não ser que a receita foi como que rapinada a um espanhol. A família Moura tem sido ao longo do século um dos bastiões do culto desta tradição, que a fez sobreviver à Grande Guerra, modernizou o processo de fabrico, mas soube manter o paladar e qualidade originais.
A introdução do jesuíta em Santo Tirso deverá ter acontecido por altura do virar do século muito provavelmente durante a primeira década deste quando o avô mandou o pai de Antonieta, então com 14 anos, para o Porto aprender a confeccionar pasteis. Ora o meu avó, vendo-se sem o meu pai, precisava de quem o ajudasse e acabou por vir para aqui um espanhol que começou a confeccionar os jesuítas . Acontece que o estrangeiro era muito cioso dos seus segredos, de modo que nunca revelou ao avô de Antonieta como o pastel era feito. Mas, pelos vistos, também nunca chegou a ser preciso. É que o meu avô lá ia deitando o olho e acabaria por aprender como se faz » .Ou seja, graças a um pasteleiro com olho para a receita, Santo Tirso pode gabar-se hoje, e desde há muito, de ser a origem portuguesa deste pastel apreciado em todo o País.
E quanto à proveniência da receita a ignorância permanece, quanto à justificação do nome do pastel também não se sabe muito. Aliás, como as muitas coisas acontece, as duas coisas andam associadas. Ainda assim, há sempre a tendência para cultivarmos uma hipótese explicativa que tenha alguma lógica: Talvez o formato do bolo seja uma imitação do hábito dos jesuítas, ou se calhar a receita saiu de algum convento, não sei...
Ingredientes: Para a massa: 300g de farinha; 250g de manteiga; 1 a 1,5dl de água; sal Para o recheio: 2 claras; 6 colheres de sopa de açúcar; canela em pó.
Preparação: Prepara-se a massa folhada com os ingredientes indicados e estende-se em tiras com cerca de 4mm de espessura. Batem-se muito bem as gemas com o açúcar, Barram-se as tiras de massa com este preparado e dobram-se. Com uma faca muito afiada cortam-se as tiras em triângulos. Batem-se as claras em espuma e nesta altura começa a juntar-se o açúcar continuando sempre a bater-se até se obter um merengue pouco espesso. Adiciona-se um pouco de canela em pó só para tornar o merengue castanho-claro. Barra-se a parte superior dos jesuítas com este merengue e levam-se a cozer em forno quente, mas sem exagero.
Diz-se que o sabor dos jesuítas, se a água for calcária, não será o característico dos jesuítas de Santo Tirso."
("Artefactos. Os Artesãos e o Artesanato em Santo Tirso; MODESTO, Maria de Lourdes In "Cozinha Tradicional Portuguesa", Verbo, pág. 41)
 
 

3 comentários:

  1. Ora bem, nós cá em casa somos adeptos dos test-drive a este tipo de iguarias... e caso seja realmente bom, compramos!!! :D (qnd voltar de férias vou experimentar - caseiros devem ser realmente bons!)

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  2. Quando for aí eu levo. Bem, se calhar é mandar por correio. Pois, ....é mais certo chegar aí....

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  3. Em Itália existem pasteis identicos (só o formato difere)

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